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Por que a vida é a “arte do encontro”, Vinicius?

  • Foto do escritor: Richell Martins
    Richell Martins
  • 7 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 9 de jun.

Vinicius de Moraes segurando o próprio livro "Antologia Poética"

Quando comecei a escrever poesia, com 12 anos, prestei muita atenção a essa frase do poeta Vinicius de Moraes, citada por ele durante a música “Samba da bênção” (parceria dele com Baden Powell).


E a frase completa é:

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

É uma jogada simples de conceito, como quem diz: a vida tem gosto, embora haja tanto desgosto; a vida tem alegrias, embora haja tanta tristeza.


Seria uma ideia objetiva, uma linha reta, mas ele temperou a frase com a palavra arte. Partindo de uma personalidade como a de Vinicius, conhecida pela socialização e pela observação, isso é uma defesa de que viver é reconhecer muito bem todos os encontros que se tem o privilégio de ter: com pessoas, com afetos, com momentos de contemplação e até com a natureza e as oportunidades.


E por que isso seria, Vinicius, uma arte? Que tipo de artista é especializado nesses encontros, se viver é inerente a todos (artistas ou não)? Aí é que está: assim como os artistas acham os caminhos para, em suas manifestações, experimentarem a plenitude, o poeta tomou emprestada esta habilidade para nos mandar um recado: experimente a plenitude no seu caminho, conscientemente, enquanto vive. Deguste-a. Isto é reforçado pelo que ele diz, logo antes: “A vida não é de brincadeira, amigo!”.


E antes disso: “Feito essa gente que anda por aí, brincando com a vida. Cuidado, companheiro! A vida é pra valer e - não se engane, não - tem uma só. Duas mesmo, que é bom, ninguém vai dizer que tem, sem provar muito bem provado, com certidão passada em Cartório do Céu e assinado embaixo: ‘Deus’ - e com firma reconhecida”.


Vinicius de Moraes tocando violão

Essa ideia de vida como chance única, confesso, compartilho com ele. Mas nosso desafio é idealizar menos e aproveitar mais, como diria o francês Maurice Merleau-Ponty: "O mundo não é o que eu penso, mas o que eu vivo".

Agora, atenção, navegantes: essa consciência toda não é a obrigação da lucidez. Aliás, o último álbum musical gravado e lançado por Vinicius de Moraes ganhou um título que tem tudo a ver com isso: "Um pouco de ilusão", de 1980. É preciso um pouquinho de ilusão para fazer essa arte do encontro acontecer, por dentro e por fora, e fazer o caminho valer a pena, ter o que contar com ânimo, ter o que gostar de lembrar.


É como diz aquela letra da música de Luiz Gonzaga e Hervé Cordovil:

Minha vida é andar por esse país Pra ver se um dia descanso feliz Guardando as recordações das terras onde passei Andando pelos sertões e dos amigos que lá deixei (A vida do viajante)

Percebemos essa mala cheia de vida carregada de memórias, verdades e ilusões verdadeiras, saudades e cicatrizes que vão além de acordar, comer e dormir. Filho do Gonzagão, o Gonzaguinha também cantou o seguinte:

Principalmente por poder voltar A todos os lugares onde já cheguei Pois lá deixei um prato de comida Um abraço amigo, um canto pra dormir e sonhar (...) Toda pessoa sempre é as marcas Das lições diárias de outras tantas pessoas (Caminhos do Coração)

Sentiu o sabor dessa estrada? Por isso, imaginem: com 11 anos (um pré-adolescente?), eu prestando atenção nessa conversa de um poeta que já havia morrido antes de eu nascer. Pois, percebendo quais já eram meus próprios encontros, assumi minha posição de artista. As obras: o que planto e colho em cada um deles, com pessoas, experiências, lugares, músicas, sabores e cheiros.


Embora haja tantos desencontros - alguns deles são bons livramentos! -, Vinicius tinha razão.


Vinicius de Moraes sentado em almofadas.
Vinicius em 1975 (Acervo UH/Folhapress)

Vinicius de Moraes (1913-1980) foi um poeta, compositor, dramaturgo e diplomata brasileiro, nascido no Rio de Janeiro (RJ). Tinha 1,70m de altura. Casou-se 9 vezes; teve cinco filhos e muitos amigos. Lançou 14 livros ao longo da vida. Depois de consolidado na literatura, enveredou-se pela música popular, compondo com vários parceiros e criando muitos dos maiores sucessos da música brasileira do século XX, como “Garota de Ipanema”, “Chega de Saudade”, “Pela luz dos olhos teus”, “Insensatez” (todas com Tom Jobim), “Berimbau”, “Canto de Ossanha” e “Consolação” (com Baden Powell), “Tarde em Itapuã”, “Regra três” e “Onde anda você” (com Toquinho), e “Lamento” (com Pixinguinha)


2 comentários


Amanda
08 de jun.

Que reflexão sensacional!

A vida continua nos oferecendo inúmeras oportunidades de conexões e encontros. Cabe a nós buscar, cultivar e colher aprendizados de cada experiência vivida. Se permitir viver os encontros, sem se fechar por medo dos desencontros, é uma verdadeira arte!


E sobre a não obrigação da lucidez: é preciso um bocado de ilusão, senão, não se vive um encontro direito não! 😅


Parabéns pelo texto! É bom demais te ler.

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Richell Martins
Richell Martins
10 de jun.
Respondendo a

Que bom que você gostou do texto! "A vida presta", como disse a Fernanda Torres!

Obrigado pela leitura atenciosa e pelo carinho das palavras.

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