Pedro Esteves: da galeria de esgoto à galeria do museu
- Richell Martins
- 2 de jul.
- 7 min de leitura
Atualizado: 3 de jul.

Entrevista A arte da rua pode deve entrar nos grandes museus e ser contemplada também sob o olhar contemporâneo. Os vãos e paredes têm que ter espaço para a expressão do mundo ao redor, o mundo de hoje, feito por pessoas. A arte mora em todo lugar e não precisa decantar ao longo das décadas, para merecer exposição oficial. É o que o Museu de Congonhas, em Minas Gerais, passou a entender, a partir de 2025.
No trajeto entre Tiradentes e Ouro Preto, passei pela cidade onde está o Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, que reúne esculturas de Aleijadinho que muitos de nós só veem em livros de História. Para entender os contextos que levaram à concepção dessas obras externas e internas da igreja (uma entre as centenas de capelas e igrejas espalhadas por MG), é indispensável visitar, logo ao lado, o Museu.
E é justo nesse local onde a história de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que morreu há mais de 200 anos, se encontra com a história de Pedro Esteves, artista vivo que historicamente inaugurou a primeira exposição de arte de rua, sinônimo de arte urbana, no Museu de Congonhas. Chamada de “Se essa rua fosse minha”, a exposição é atraente, provocadora e reúne pinturas que retratam crianças por todos os lados, em quadros com o DNA inconfundível do grafite urbano.
As imagens dividem espaço com armações de madeira natural, livros pendurados em galhos ou em pilha, formando uma obra icônica com uma menina tentando alcançar um livro nas nuvens.
O fotógrafo José Melo, da equipe educativa do museu, me levou até Pedro, que estava realizando uma atividade lúdica com crianças, em um espaço à parte. Tivemos uma conversa bastante agradável sobre sua trajetória, a concepção da exposição e o alcance das suas diversas expressões artísticas, que você confere agora. Ele, que inaugurou essa nova fase do museu, em Minas, agora também inaugura este espaço do site, o "Vozes".
Richell Martins: Que ideia te inspirou a fazer a exposição “Se essa rua fosse minha”?
Pedro Esteves: Aqui, em Congonhas, a gente tem uma situação muito difícil: a gente tem o maior acervo de obras do barroco mineiro, do Aleijadinho, e também tem a maior barragem de rejeito do mundo¹ em área urbana. Então, a gente tem essa ideia da preservação do patrimônio, mas talvez a gente não pense muito na preservação da vida.
Essa exposição foi meio que esse entendimento do que é nosso, do que a gente realmente tem que preservar. E é a primeira vez que o Museu [de Congonhas] se abre para arte de rua, sabe? A gente sempre olhava a fachada do museu e pensava: “O que é que a gente faria se pudesse estar lá dentro?”. Era meio que essa ideia: o que é que a gente faria se essa rua fosse nossa, né? Que intervenção a gente faria.
E acabou que a gente chegou naquele produto, com esse conceito. [A exposição] Ela é toda feita com eucalipto, com madeira de reflorestamento, que eram madeiras que seriam destinadas para os fornos, para os altos-fornos das empresas aqui de Congonhas.
A gente construiu tudo com as próprias mãos, com a ideia da economia colaborativa mesmo, do financiamento coletivo. E a gente fez meio que “no peito” - assim como a gente costuma falar na rua, né, que é algo que a gente pega e faz. Às vezes, a gente acha que isso é ruim. É muito bom, no sentido do fazer no coletivo, mas muito ruim, também, do fazer o que o poder público deveria estar fazendo.
RM: O que você fazia nas ruas, até chegar aqui? Como é essa trajetória?
PE: Eu comecei nos movimentos de poesia falada, de slam², em 2012, quando também comecei a pintar quadros com o dedo. Eu sempre pintei, sempre desenhei, mas é a partir daí que eu fui para a rua. Morei 5 anos na rua, viajando. Viajei pelo Brasil todo assim. E tirei várias vivências disso, várias experimentações. E uma coisa que eu sempre tive comigo é que eu queria levar aquilo para a rua, que as pessoas tivessem na rua uma exposição com qualidade de museu, sabe?
A minha primeira exposição foi meio que nesse conceito de fazer numa praça e tudo mais. Mas, aí, surgiu a oportunidade da gente fazer dentro do museu. É sempre diferente quando a gente pensa: “é arte de rua”. Mas será que a arte de rua tem que estar só na rua?
Então, a gente trazendo ela para cá, a gente conseguiu, de certa forma - agora, olhando para trás, para esses últimos dois meses - democratizar, sabe? Pessoas que nunca vieram ao museu, virem ao museu; a gente trouxe várias turmas de escola pública; pintei ao vivo, em alguns momentos - isso também desmistifica essa questão do artista que, na maioria das vezes, é colocado no pedestal e é muito pelo contrário, né? Eu acho que o artista é o que tem que estar mais "pé no chão" mesmo, mais [com] o pé na rua, o contato com as pessoas, sabe?
Isso foi muito importante também, tanto para mim, [quanto] acho que para o museu também.
RM: Você falou de duas pessoas que também participaram da concepção dessa exposição.
PE: É o Mateus Uhsaga - que é daqui, de Congonhas, mas hoje mora em Santo Tomé das Letras - e a Gabi [Gabriela Grotti] - ela é de Rio Branco, no Acre, e mora também em São Tomé. Eles são mestres bambuzeiros, especializados em fibras naturais. Eu faço as artes plásticas e eles fazem toda a estrutura. A Gabi também é engenheira e o Mateus também é produtor musical. Então, a gente uniu tudo assim.

Tem um grande parceiro nosso também, que é o Yuri, da Genial AI. A gente tem um totem com inteligência artificial - que é uma ideia de aproximar isso do público jovem, da gente entender que tem que estar junto com a tecnologia agora, que não adianta imaginar que viveremos sem ela, né?
Mas a exposição, em si, foi a junção do trabalho de 14 pessoas, porque a gente tem um núcleo artístico e também tem um núcleo de produção. Foi, assim, maravilhosa a repercussão, sabe? O público maior que o museu tinha recebido, até hoje, eram 80 pessoas. Nós colocamos mais de 250, na abertura da exposição, num dia de semana.
Então, já foi a mudança de todo um conceito de chegar aqui e ver as pessoas mesmo pertencentes da cidade, aquelas pessoas que talvez nunca pisaram no museu, chegando e vendo as obras, e se sentindo representadas, sabe? Eu acho que isso é o principal.
RM: Fala um pouquinho daquela obra principal, que tem uma menina em cima de uma pilha de livros, que também monta, ali, uma espécie de morro. Fala um pouco dessa concepção. Quem é aquela menina? Como foi que surgiu essa obra?
PE: Sim. Aquela obra se chama “Odara”, que é homônima à Odara que foi a minha modelo mirim. Ela é filha da Silnara³, que é uma ativista negra foda para a gente, aqui na cidade, superimportante. E eu achei que ia ser de muita representatividade isso, também. Ela [a Odara], já [é considerada] como a segunda geração da luta, mesmo ela não sabendo que tem uma luta pela frente, né? [por conta da idade]
E aquela pilha de livros é todo o acervo do museu, praticamente. Então, [essa parte da exposição] tem a curadoria da Marjorie Fonseca, a parte da literatura, e também livros de psicologia, que é um dos nossos alicerces aqui, a arte com a psicanálise - é o que você tá vendo acontecer, aqui, nesse momento em que a gente tá recebendo crianças do CAPS.
E a curadoria geral da exposição é do Guto Martins, um amigo nosso que é um artista muito, muito legal. Hoje, ele tá em Portugal, lá do outro lado, vendo a gente fazer tudo aqui, mas com o conceito - eu costumo brincar com ele [o Guto] - que a gente tá recolonizando lá [Portugal], né?
RM: Você trouxe a Odara sobre essa pilha de livros, alcançando um livro. Nesse momento, a mensagem é…
PE: Pra gente adquirir conhecimento. A gente só pode subir sobre o nosso próprio conhecimento, sabe? Eu acho que é esse o conceito. E essa pilha de livros se transforma numa favela, que é de onde ela tá vindo. É ela vindo do subúrbio, que geralmente é a nossa realidade, né? Crianças pretas vindo de um lugar desassistido pelo poder público e ela [Odara] tá sendo a anfitriã, como a obra que recebe as pessoas, quando sobe assim.
E minha mãe me falou uma coisa que me tocou muito: que é o primeiro trabalho que eu faço de uma criança de costas. Eu acho que é muito no sentido dela estar olhando para o futuro, sabe? Ela estando de costas, olhando para o que nem a gente tá enxergando aqui.
RM: Como você, Pedro, vê a sua voz no mundo?
PE: Cara, eu sou uma pessoa muito inquieta. Como eu te falei, no começo, eu sou poeta também; sou ator, vou lançar meu primeiro livro; sou artista plástico.
Para mim, a arte me move, sabe? A arte me salvou, várias e várias vezes. Eu acredito muito na palavra como ferramenta. Eu acredito que toda arte é pulsante quando ela é aliada com uma boa mensagem. A arte não é muito quem fala, é o que você fala, sabe?
Eu acho que todo artista sempre faz com a esperança de que aquela palavra seja ecoada. Então, nas artes plásticas, é um eco ainda diferente porque é um eco do silêncio, né? É o eco do que você compreende. E, não sei se você percebeu, mas as obras [desta exposição] não têm nem descrição, porque é a ideia de que você leve para casa realmente o que você absorver. E tomara que seja algo bom.
Confira fotos da exposição “Se essa rua fosse minha”
Conheça mais do trabalho do Pedro Esteves, acessando o perfil no Instagram (@pedro_esteves), de onde tirei a frase que inspirou o título desta publicação: "Da galeria de esgoto à galeria de arte".
1. A barragem Casa de Pedra, em Congonhas (MG), foi reconhecida como a maior barragem de rejeitos de mineração em território urbano da América Latina, com 66 milhões de m³, sendo 5,5 vezes maior que a barragem B1 (da Vale), que se rompeu em 2019, em Brumadinho.
2. Slam de poesia, ou poetry slam, é um tipo de competição de poesia falada, em que poetas apresentam seus textos originais sem acompanhamento musical ou adereços, com tempo limitado para a apresentação. O slam se tornou um movimento cultural e político importante, especialmente nas periferias, onde é usado como ferramenta de expressão e resistência.
3. Silnara Faustino é historiadora e educadora em Congonhas (MG).
O trabalho de Pedro é incrível! Foi bonito ver o cuidado e a atenção que ele teve com as crianças, além de tudo o que compartilhou com a gente sobre a exposição e sua estreia no museu. Também é bonito ver a arte de rua ocupando espaços para além das ruas. Que ocupe cada vez mais! Uma baita inauguração deste espaço aqui no site. Parabéns pela matéria, Richell! Já estou ansiosa pelas próximas vozes. :)
Foi um prazer Receber você em nossa cidade e mostrar um pouquinho dessa arte, espero que volte sempre e Estaremos prontos para recebe-lo.